Acaso acontece.

Só mais um.

junho 28, 2011
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Quando ele entrou na sala de aula sentiu que todos olharam em sua direção. E não era por menos, cabelo grande, calça jeans rasgada, corrente dependurada na lateral da calça, ligando a carteira ao chaveiro, camisa preta com estampa do Chakal. Olhou para as caras da nova turma e não achou ninguém da sua tribo, ou próximo. Fodas, foi o que pensou, não estava ali para fazer amigos, só para terminar o segundo grau.

Procurou uma carteira lá no fundo, na última fileira e lá se assentou. Do bolso da calça tirou um bloco de notas e começou a desenhar, não cumprimentou ninguém, interagir, nem pensar. O professor de matemática entrou e começou a dar aula, o cabeludo de cabeça baixa lhe chamou atenção e já no meio da aula perguntou quem era. Sem responder, levantou e entregou ao professor a carta de transferência. Respondeu todas as perguntas do professor com: sim, não, é, e outros monossílabos.

Nos horários seguintes foi a mesma coisa, os colegas descobriram que ele se chamava Raimundo, pelos professores. No intervalo sumiu, ninguém o viu pelo pátio, na cantina ou no banheiro. Nos horários seguintes, a mesma coisa, cabeça baixa desenhando. Metade da turma já estava apaixonada por aquele jeito blasé, metal, punk, largadão. A outra metade já estava a fim de dar um “chega pra lá” naquele folgado que entrou na turma.

No dia seguinte a configuração da sala mudou. Ao redor da carteira onde o novato havia assentado, só havia meninas, algumas maquiadas, outras com pulseiras de couro pretas e batons extravagantes. Ele nem notou. A primeira semana foi assim e só na semana seguinte algumas meninas conseguiram conversar com o SAgAz. Descobriram o apelido no bloco de notas, onde ele treinava uma letra para pichar os muros da cidade.

Depois de uns três meses de colégio, SAgAz já tinha quase um fã clube que no recreio sumia junto com ele pra atrás do bambuzal, lá no final do pátio, onde podiam fumar um cigarro e as vezes tomar algum destilado que levavam na mochila. Ele já estava gostando daquilo, naquele colégio de playboy não havia malucos como ele, era o único da parada, o resto, era massa alienada. Para melhorar a interação com as meninas começou a aplicar muito metal, gravava fitas cassete e dava de presente para elas. E para não cair no tédio, um pouco de política, de movimentos sociais e partidários, aplicou: Rousseau, Bakunin, Godwin e outros anarquistas.

A outra parte da turma, os meninos, andava incomodada com aquela situação. De um dia para outro perderam todas as atenções e era preciso mudar o quadro. Um deles, que não era o mais forte, mas se julgava o mais inteligente, um pequeno intelectual, resolveu tomar a questão e foi numa aula de história que ele provocou.

– O movimento anarquista professor, é um movimento utópico e que não tem espaço no mundo de hoje.

SAgAz sentiu a provocação, sabia que uma hora viria, a maioria dos alunos da classe aprendeu mais sobre anarquismo com ele do que nas aulas. Não, definitivamente, não poderia deixar barato.

– Ahe o burguês, tá precisando estudar mais. Repetir frase feita é uma bobagem. Me prove ai, onde não há espaço. Estou aqui, não há espaço para mim?

– Mas você é só mais um.

– Não boy, não sou mais um, sou a diferença. O que tu não suporta é que você é apenas mais um que repete preconceitos. Eu sou o diferente que transforma. Está putinho porque conquistei seu território. É fraco e não tem senso crítico. Mais um na massa!


Reencontro

março 17, 2011
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O Adolpho e o Paulo foram colegas no colegial e depois da formatura perderem o contato. Oito anos depois se encontraram no orkut e logo trocaram emails contando os caminhos que haviam tomado… o Paulo formou-se em direito e agora trabalhava em um escritório, o Adolpho formou-se em administração de empresas e se tornou diretor financeiro de uma grande seguradora onde havia começado, ainda no tempo do colégio, como Office boy.

Logo já estavam combinando de sair para tomar umas cervejas e colocar o papo em dia. As lembranças de outros tempos vieram à tona. A turma, os professores, as viagens, os acampamentos em São Gonçalo do Bação, onde um outro amigo morava, e por ai a fora. Em meio a tanto saudosismo o Adolpho lembrou seu chavão, que servia para tudo: problemático! Gritava fazendo caras e bocas. Nestas horas brindavam e reverenciavam a oportunidade de se reencontrarem

Chegou o carnaval e o Paulo já tinha uma viagem planejada, iria com os irmãos e mais uma turma para Catas Altas da Noruega, onde alugaram uma casa. Adolpho estava sem rumo e quando foi convidado pelo velho amigo aceitou de cara. Viajaram juntos, relembrando os velhos tempos, escutando Doors, Led, Pink Floid e Jet Trotull.

A turma na casa era bem variada e havia duas mulheres solteiras, amigas das namoradas dos irmãos do Paulo. Churrasco, cachoeira, samba, conversa fiada e muita cerveja, tudo dentro dos conformes. E o Adolpho, como boa praça que é, logo se adaptou, foi fazendo amizades e no segundo dia já estava íntimo da galera.

Com tanta intimidade acabou ficando com uma das solteiras da casa. Uma surpresa para todos, o malandro foi sutil, quando os outros perceberam ele já tinha dado o bote. A situação foi ainda mais engraçada porque o próprio Paulo estava de olho na gata, mas o Adolpho teve mais jeito, papo bom, sedução… A boca pequena os homens azaravam o Paulo: é compadre, foi trazer o amigo e pronto, ele te deu uma rasteira. Furou seus olhos! Rapou sua gata! Levou rasteira do amigo da onça!

O Paulo por sua vez nem importava, queria mesmo era divertir e se o amigo também se divertia, melhor ainda. Carnaval tem gente pra todo lado e ele iria se virar. Acabou que não aconteceu nada, passou o carnaval no liso… e agora tem outra história para contar, o primeiro casamento em que foi cupido, pois o Adolpho e a Ju se casaram no final daquele ano.

 


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