Quando trabalhava na Distribuidora Santana o Flavinho chegou à conclusão que ter um negócio próprio era a solução para os seus desejos. A Santana ficava ali na Avenida dos Andradas com Rua Aarão Reis e fornecia jornais e revistas para todas as bancas do Alto Savassi ao Baixo Belô. Logo a conclusão: uma banca bem localizada é uma mina de ouro e me livro do patrão.
Juntou dinheiro uns três anos até que surgiu a oportunidade. Um senhor que se aposentara estava vendendo uma banca na Avenida João Pinheiro esquina com Rua Timbiras. A negociação foi rápida e na semana seguinte assinaram os documentos e o Flavinho tomou um porre para comemorar. Dentro do copo as chaves da banca eram bentas para trazer sorte e muitos fregueses.
Mal saiba ele que benzer com álcool atrai o caboclo Zé Pilintra, não oferecer para Exu deixa-o contrariado e faltou jogar uma pro santo. Dois dias depois a banca estava funcionando, sortida com variedade de revistas e jornais. Para completar o mix de produtos organizou uma vitrine/balcão com balas, chocolates, cigarros, canetas, talões de estacionamento, chaveiros e outras miudezas.
Na segunda semana de trabalho percebeu alguma coisa lhe incomodando muito. Foi na tarde da sexta-feira que entendeu tudo. De cada três pessoas que paravam na banca, duas pediam informações sobre algum lugar ali perto e a terceira acendia o cigarro no isqueiro dependurado. Ficou contrariado, o seu comércio estava virando uma empresa de favores. Seu maior pagamento era um muito obrigado, ou o pior, valeu véi!
No final de semana encontrou a solução, fez um cartaz com os seguintes dizeres:
“Detran e CDL do outro lado da rua, dois quarteirões acima”.
“Museu Mineiro dez passos adiante”.
“Associação Médica do outro lado da rua, no quarteirão de baixo.”
“Cartórios todos os três no início da avenida”.
Ao final de cada frase uma seta indicando a direção. Pendurou a placa junto ao isqueiro, no lugar mais visível da banca.
De tempos em tempos algum desavisado perguntava e ele apontava para a placa, sem falar uma palavra. Percebeu que naquela semana as vendas caíram, nem bala estava saindo. Havia alguma coisa errada, seria a placa? Pode ser que os clientes interpretassem como falta de educação. Ou seria mesmo uma grosseria.
Pensou a semana toda, às vezes saía da banca e a olhava a certa distância tentando descobrir o que havia de errado. Encontrou a solução. Trocou a placa, hoje está assim:
Vendo:
Jornais e revistas diversos;
Talões de Estacionamento;
Balas, bombons, chicletes;
Lápis, caneta e borracha;
Envelopes e folhas A4;
Informações R$ 2,00!
Se existisse uma classificação para os amantes da noite, do álcool, do tabaco, da putaria e dos papos de botequim, com certeza o Du estaria no mais alto posto. O boêmio era porteiro e trabalhava até as vinte e três horas. Depois do trabalho tomava um banho no chuveiro do zelador, trocava de roupa e saía para a noite. O prédio ficava num ponto que dividia a cidade em duas, o centro de um lado e a zona sul do outro.
Para o Du tudo tinha outro nome, a parte do centro que ele circulava era o encontro entre o alto belô e o baixo savassi. E ele explicava. Aqui do lado sul temos o alto savassi, o lado extremo da burguesia. Muita grana, só gatinhas e cocotas, frescuras mil, posses e poses. Baixo savassi é a região que está do lado leste da Cristóvão Colombo, é claro que alguns bares escapam. O Tudão é um reduto do baixo savassi e está no alto savassi.
O alto belô é tudo o que está do lado sul da Afonso Pena, até a Amazonas, cruzar estas avenidas é cair na boca da onça. É lugar onde tiram sua cueca sem baixar as calças, dão nó em poste e driblam a sombra. O baixo belô é o cão chupando manga. O alto savassi é a princesa de camisola. São extremos, saca? Por isso freqüento o alto belô e o baixo savassi, sou malandro do meio termo, lateral esquerdo que joga avançado.
Dias desses o Du apareceu com um curativo na testa e o braço enfaixado. No boteco do Alemão, numa esquina do alto belô, perguntaram o que aconteceu. Bicho, vou tomar um gole e te explico. Ó Lemão, solta aquela branquinha e uma lingüiça de gato branco. Veja só bicho, estava ali no Banzai, território da Manchúria e começou o fight. Os Russos vieram subindo a Padre Belchior com pedras e garrafas, eles estavam atrás de um China que saiu do Tang e veio esconder no Banzai. Entrei na parada fazendo o papel de força de paz da ONU, e fui o primeiro a levar uma garrafada na testa. Quando caí um sujeito chutou o meu braço, aproveitei e rolei pro canto, encerrei minha participação. Continuei deitado e assisti o pau quebrar. O China que eles perseguiam era ninja. Deu voadora, mata leão e boca de sapo, derrubou três e vazou. Antes da cruz vermelha chegar umas voluntárias fizeram as honras e você acredita que no meio da confusão eu fui parar na Tailândia? Massagem oriental, nem te conto.