Acaso acontece.

Punks, hippies e descolados.

novembro 8, 2011
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– E ai meu camarada, qual a boa da noite?

– Nem sei…

– Como assim não sabe? Você é o melhor conhecedor da noite belo-horizontina. Do alto savassi ao baixo belô você conhece todos os picos.

– É, mas hoje estou sem ânimo, nem olhei a programação.

– Mas por quê?

– É que ando meio desgostoso com a cidade.

– Como assim?

– Veja bem, há quanto tempo você conhece o Malleta?

– Sei lá, desde que você conhece. Mil novecentos e oitenta?

– É por ai, mas desde quando você bebe lá?

– Freqüento o Xoc Xoc e o Lua Nova desde oitenta e cinco. A Cantina do Lucas só depois de noventa e cinco, quando passei a ter grana para comer lá.

– Pois é, lembra de como era na década de oitenta, de como ficou na década de noventa e depois o vazio. Lembra?

– É verdade, durante a primeira década do século aquilo lá virou um deserto. Também pudera, nos anos noventa o tráfico tomou conta. Você lembra?

– Claro! Ficou chato demais, não é? Até mala oferecendo pó de mesa em mesa passava. Aí vieram as batidas policiais, muita gente presa…

– Lembro, lembro… lembro até do dia em que saímos e logo na sequência a polícia fechou as portas e revistou todo mundo que estava no prédio, muita tensão.

– Pois é, e depois disso o movimento foi só caindo até colocarem as grades no segundo andar e proibirem de freqüentar os corredores externos.

– É, lá virou ponto de droga e a galera transava no corredor. Estava muito doido mesmo.

– E agora, sabe o que está rolando por lá?
– Ah, sei que abriu um bar de descolados lá. Aliás, é uma boa ir lá conhecer! Vamos?

– Posso até ir com você, mas fico do outro lado.

– Como assim?
– É o seguinte, no corredor que dá frente para a Augusto de Lima uns punks abriram um espaço, uma loja que transformaram em galeria, um espaço bem louco, chama: Ystilingue. Quando fui lá a primeira vez nem acreditei como os caras tinham conseguido. O Condomínio não permitia ficar lá depois das 22h. Perguntei ao pessoal como fizeram e um deles me mostrou as regras do condomínio em um papel plastificado. Os caras são muito safo e descobriram uma brecha na legislação do prédio: não explicitava qual portão deveria ser fechado as 22h.

– Você está curtindo com a minha cara?
– É sério velho, acho que um advogado ajudou os caras, mas eles tiveram a manha demais.

– Uai, não estou entendendo. Isso é uma coisa legal, subversão com inteligência e porque você está com esta cara de bunda?

– É que os punks e outros poetas estavam vendendo poesia no Maleta.

– Ah sei, isso desde 1965, né!?

– Pois é, mas agora é proibido!

– Proibido, como assim?

– É que foram fazer uma intervenção poética neste bar dos descolados que você falou e os descolados acharam ruim. O dono, um Argentino Paraguayo, tomou as dores, chamou a segurança e expulsaram o pessoal de lá.

– Cara, o Malleta sem bicho grilo, ou punk, ou maluco de BR vendendo poesia ou artesanato não é o Maleta.

– Eles também não podem vender artesanato lá dentro mais. Tudo para não importunar as mesas.

– Você está zuando comigo!?

– É sério cara, os frequentadores de lá, estes descolados, não gostam de ser incomodados.

– São do tipo que só curtem artista de galeria?

– Sim! E de preferência com estilo contemporâneo de se vestir, influências européias e muito glamour.

– E o que este povo está caçando no Malleta? O lugar deles é na Savassi, lá no Café com Letras.

– Pois é, agora voltou a ser cult freqüentar o Malleta.

 


O Negociante.

junho 30, 2010
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Quando trabalhava na Distribuidora Santana o Flavinho chegou à conclusão que ter um negócio próprio era a solução para os seus desejos. A Santana ficava ali na Avenida dos Andradas com Rua Aarão Reis e fornecia jornais e revistas para todas as bancas do Alto Savassi ao Baixo Belô. Logo a conclusão: uma banca bem localizada é uma mina de ouro e  me livro do patrão.

Juntou dinheiro uns três anos até que surgiu a oportunidade. Um senhor que se aposentara estava vendendo uma banca na Avenida João Pinheiro esquina com Rua Timbiras. A negociação foi rápida e na semana seguinte assinaram os documentos e o Flavinho tomou um porre para comemorar. Dentro do copo as chaves da banca eram bentas para trazer sorte e muitos fregueses.

Mal saiba ele que benzer com álcool atrai o caboclo Zé Pilintra, não oferecer para Exu deixa-o contrariado e faltou jogar uma pro santo. Dois dias depois a banca estava funcionando, sortida com variedade de revistas e jornais. Para completar o mix de produtos organizou uma vitrine/balcão com balas, chocolates, cigarros, canetas, talões de estacionamento, chaveiros e outras miudezas.

Na segunda semana de trabalho percebeu alguma coisa lhe incomodando muito. Foi na tarde da sexta-feira que entendeu tudo. De cada três pessoas que paravam na banca, duas pediam informações sobre algum lugar ali perto e a terceira acendia o cigarro no isqueiro dependurado. Ficou contrariado, o seu comércio estava virando uma empresa de favores. Seu maior pagamento era um muito obrigado, ou o pior, valeu véi!

No final de semana encontrou a solução, fez um cartaz com os seguintes dizeres:

“Detran e CDL do outro lado da rua, dois quarteirões acima”.

“Museu Mineiro dez passos adiante”.

“Associação Médica do outro lado da rua, no quarteirão de baixo.”

“Cartórios todos os três no início da avenida”.

Ao final de cada frase uma seta indicando a direção. Pendurou a placa junto ao isqueiro, no lugar mais visível da banca.

De tempos em tempos algum desavisado perguntava e ele apontava para a placa, sem falar uma palavra. Percebeu que naquela semana as vendas caíram, nem bala estava saindo. Havia alguma coisa errada, seria a placa? Pode ser que os clientes interpretassem como falta de educação. Ou seria mesmo uma grosseria.

Pensou a semana toda, às vezes saía da banca e a olhava a certa distância tentando descobrir o que havia de errado. Encontrou a solução. Trocou a placa, hoje está assim:

Vendo:

Jornais e revistas diversos;

Talões de Estacionamento;

Balas, bombons, chicletes;

Lápis, caneta e borracha;

Envelopes e folhas A4;

Informações R$ 2,00!


O Geógrafo

setembro 1, 2009
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Se existisse uma classificação para os amantes da noite, do álcool, do tabaco, da putaria e dos papos de botequim, com certeza o Du estaria no mais alto posto. O boêmio era porteiro e trabalhava até as vinte e três horas. Depois do trabalho tomava um banho no chuveiro do zelador, trocava de roupa e saía para a noite. O prédio ficava num ponto que dividia a cidade em duas, o centro de um lado e a zona sul do outro.

Para o Du tudo tinha outro nome, a parte do centro que ele circulava era o encontro entre o alto belô e o baixo savassi. E ele explicava. Aqui do lado sul temos o alto savassi, o lado extremo da burguesia. Muita grana, só gatinhas e cocotas, frescuras mil, posses e poses. Baixo savassi é a região que está do lado leste da Cristóvão Colombo, é claro que alguns bares escapam. O Tudão é um reduto do baixo savassi e está no alto savassi.

O alto belô é tudo o que está do lado sul da Afonso Pena, até a Amazonas, cruzar estas avenidas é cair na boca da onça. É lugar onde tiram sua cueca sem baixar as calças, dão nó em poste e driblam a sombra. O baixo belô é o cão chupando manga. O alto savassi é a princesa de camisola. São extremos, saca? Por isso freqüento o alto belô e o baixo savassi, sou malandro do meio termo, lateral esquerdo que joga avançado.

Dias desses o Du apareceu com um curativo na testa e o braço enfaixado. No boteco do Alemão, numa esquina do alto belô, perguntaram o que aconteceu. Bicho, vou tomar um gole e te explico. Ó Lemão, solta aquela branquinha e uma lingüiça de gato branco. Veja só bicho, estava ali no Banzai, território da Manchúria e começou o fight. Os Russos vieram subindo a Padre Belchior com pedras e garrafas, eles estavam atrás de um China que saiu do Tang e veio esconder no Banzai. Entrei na parada fazendo o papel de força de paz da ONU, e fui o primeiro a levar uma garrafada na testa. Quando caí um sujeito chutou o meu braço, aproveitei e rolei pro canto, encerrei minha participação. Continuei deitado e assisti o pau quebrar. O China que eles perseguiam era ninja. Deu voadora, mata leão e boca de sapo, derrubou três e vazou. Antes da cruz vermelha chegar umas voluntárias fizeram as honras e você acredita que no meio da confusão eu fui parar na Tailândia? Massagem oriental, nem te conto.


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